quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Antares


Estou com uma vontade louca de ir aos lugares que imaginei nos livros. Aquela sala em que alguém tocava um piano no fundo de uma casa em um conto do Machado me parece bem aconchegante no momento. A luz tremulante da lâmpada a gás dos idos séculos cairia bem no meu atual estado de espírito. Ou contemplar uma estrela a beira do rio que divide duas nações ao lado do fundador de uma cidade, enquanto ele se inspira nessa estrela para nomear Antares. Sua confusão torna o passatempo ainda mais divertido.

Queria ser uma criança pequena sentada à meia luz da escada do Sobrado, que em minha imaginação vi envelhecer e na qual ouvi ranger os passos da velha cega. Encontrei a praça de Santa Fé em uma foto antiga de uma cidade desse continente. Enxerguei o coreto cheio de mortos em uma cidade que não tem rio. Jacarecanga ficava no esquadro da janela do meu quarto antigamente; o rosa das paineiras sob a luz doce do março outonal que chega sempre estará impressa na minha retina e ambientará meus melhores sonhos.

Sento-me na praça em Antares e observo o coreto. Mas onde estão os mortos? Olho para os lados e não vejo nada, não vejo ninguém. O frio das escaiolas me penetra o corpo pela ponta dos meus dedos. Sinto a umidade que aqui não há; paredes escorrem anunciando temporais de São Miguel. Pelotas está em mim, e está em Satolep. Mas há tempos não faço corações em vidros embaçados.

Procuro outros rincões, que tenham verdes pastos e árvores sob as quais se possam fazer piqueniques. Espalho meus cabelos pela relva, fecho os olhos e sinto o calor amarelo do sol além deles. Sempre gostei dessa sensação de ver a luz mesmo com os olhos fechados. Sorrio. Respiro fundo e adormeço. E sob a luz de Jacarecanga vislumbro uma paineira entre cortinas de voal. O verde verdeja luxurioso na floresta tropical além. Y pescaditos de oro navegam sobre nossas cabeças. Estás conmigo, pero no encuentro la parra mientras se habla en amarras.

As amarras me sufocam, e essa opressão de um calor lancinante esmaga meu peito. Procuro tua mão firme e peço que me puxes para cima, para além. Deixas-me escapar por entre teus dedos e me sorris com tua boca fresca de ardor. Não compreendo, e procuro me agarrar em qualquer fiapo que me leve de volta. Onde estavam mesmo as paineiras, as escaiolas, os piqueniques? Os perdi. E dando voltas e voltas nesse labirinto, tudo que me chega é o cheiro putrefato dos mortos no coreto, que só piora conforme o calor aumenta. E eu que só queria apreciar aquela estrela vermelha, alfa de escorpião, à beira do rio da fronteira.


Um comentário:

Valnunes disse...

Parabéns, adorei os textos!! São criativos, poéticos, me remete p/ outro lugar, faz viajar. Não deixe de escrever!!