sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Das cartas de Caio F.


Acabo de ler agorinha "Para sempre teu, Caio F.". Escrito pela Paula Dip, o livro relembra a vida e a obra do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu através de cartas, conversas e memórias coletadas pela autora - e amigona do autor - entre amigos com quem ele se correspondeu e com quem conviveu intensamente. São 504 páginas que revelam e completam o sentido de uma trajetória que pode ser vista nas obras de Caio, desde a infância em Santiago até seus últimos dias no Menino Deus, em fevereiro de 1996.

Acessível, bem costurada e envolvente, a obra se parece - e é - uma reportagem gigante e intimista sobre o que foi Caio F., pelo olhar e os sentimentos de quem o conheceu e ouviu cunhar termos como "saia justa", "estou rosa chiclete" e "lasanha" (esse último pra definir alguém gostoso). Para uma fã como eu, leitura indispensável presenteada pelas (minha) amigas Karina e Cíntia. Sabia que a vida dele não tinha sido nada convencional, mas desconhecia detalhes de sua vida hippie na Europa, tempo na qual invadiu casas abandonadas junto com outro estrangeiros na busca de um teto para se proteger do frio.

Comeu o pão que o diabo amassou e de glamour teve quase nada se comparado ao que sua obra representa. Conquistou uma certa fama no Velho Continente na década de 1990, mas a penúria o acompanhou sempre. Conheceu o mundo se hospedando na casa de amigos e se virando com o trabalho que fosse. Duma feita, viu seus livros expostos na vitrine de uma suntosa livraria, ao lado do restaurante em que lavava pratos para se manter em Londres.

Fora os aspectos biográficos interessantissimos - como o endereço onde morou em 'Gay Port' e pelo qual pretendo pelo menos passar na frente -, o livro fez meu desencanto com o jornalismo ficar um pouqinho maior. Outro dia uma conhecida me disse "o jornalismo virou profissão de rico" e lendo durante essa semana notei que, na verdade, já é há tempos. Salvo excessões, é claro, o que confirma minha tese.

O povo bem articulado e famosão que circulou na rede social do escritor gaúcho era, em maioria, muito bem nascido, de famílias paulistas tradicionais ou quase isso. A própria Paula Dip, que parece encantadora pelo jeito que escreve, foi jornalista de grandes revistas como Nova, Veja, apresentadora da TV Gazeta e repórter da BBC, teve sua primeira casa comprada pelo pai. E os personagens/pessoas citados seguem essa linha meio classe-média-alta-confortável-quase-jet-setter-paulistano. Nada contra, apenas não tenho a mesma sorte.

Outra: ler tantas cartas tão deliciosas quanto os contos desse escritor - ou deliciosas de um jeito leve, diferente, por fúteis e mundanas que são - me fez ter vontade de voltar a escrever cartinhas para meus amigos. Não sei se realmente terei paciência para ir ao correio e tudo e tal, mas é um projeto. Como diz a epígrafe da brochura rosa pink, em frase do próprio Caio F., "a gente não deve permitir que as cartas se tornem obsoletas, mesmo que, talvez, já tenham se tornado".