terça-feira, 6 de outubro de 2009

Das arrumações de primavera

Cada roupa que guardei ao longo dos anos, mesmo não servindo mais, tem uma história. Não que meu pequenino guarda-roupas esteja cheio de coisas imprestáveis, não é isso, sou bastante adepta às limpezas periódicas e a doação daquilo que está parado. Entretanto, algumas peças - um vestido, uma calça, um lenço - têm história, e remexer nelas nesse início de primavera me fez rever várias coisas boas e ruins da minha vida. Sim, existem coisas como o vestido da festa dos meus quatro anos que me trazem imagens nítidas e nada agradáveis. Essa especificamente é a imagem do sol se pondo na festa do salão e eu com a certeza de que meu pai realmente não viria à festa. E não foi.

Guardo o que um dia já vesti porque elas são emblemáticas de fases e acontecimentos. E porque são muito bonitinhas. Bolinhas e xadrez estão por todos esses guardados, e quem é que consegue doar um vestidinho azul que unia as duas estampas no qual se foi a quase todos os passeios divertidos de um verão? E como passar a diante, como se diz aqui em casa, aquela blusa do carnaval de 2002? Muito do que eu vesti faz parte do que eu sou e as escolhas que faço agora, e como muito raramente me arrependo do que compro, certas peças acabam guardadas em um cantinho especial.

Como é bom olhar de novo uma blusa verde listrada que foi praticamente meu uniforme em outros tempos ou aquela camisa em estilo country vermelha que me rendeu o apelido de Jack na época do lançamento de Brokeback Mountain? Certamente algumas nunca sairão de meu guarda-roupa, mas a coleção, revisitada a cada arrumação, não tem aumentado tanto assim.

Não tenho mais essa relação de apego com as roupas atuais, parece mais simples doar aquilo que adquiri durante a faculdade, inclusive para amigas que fazem excelente uso de roupas que usei uma ou duas vezes. Será que a vida adulta e as roupas do corre-corre são menos marcantes que as da minha infância e adolescência? Ou será esse limbo temporal entre a fase adolescente e adulta que não me agradou tanto assim? Seja o que for, estão todas aí, coloridas, mal passadas e geralmente de um tecido pronto pra usar as minhas roupas. E não falemos de sapatos e bolsas, por favor, ou passaremos aqui a noite inteira.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Das entrelinhas


Se alguém me olhar torto eu mordo. E mordo mesmo. Sinto as mãos e os braços pesados do ódio acumulado de tantas coisinhas ditas, de tantas coisinhas ínfimas que saem de quem as diz e as faz com o esforço de um bocejo, mas que chegam a mim como um atropelamento de caminhão. Pensem antes de falar, vocês e nós todos, porque a partir de agora toda a palavra mal explicada dirigida a mim será interpretada como um desafio, um desaforo. Se eu puder interpretar algo além do que está dito – ah, e eu interpreto – tomarei como um xingamento que se teve coragem de dizer.

Levarei a ponto de faca, sim. Estou exagerando? Claro que estou. Preciso de exagero para me tirar dessa agonia. Preciso ser eu mesma, e eu mesminha aqui, ó, nunca deixei o dito pelo não dito. Sei ler quem for do jeito que for, não me custa agora agir conforme o que já enxergo a muito tempo. Serei muito mais desagradável do que já sou. Sim, pior que isso ainda pode ficar. Mais uma palavra torta, mais uma pergunta como-quem-não-quer-nada – especialmente a pergunta como-quem-não-quer-nada, o categoriazinha, com o diminutivo pejorativo mesmo – a fúria virá à tona. Abaixo a hipocrisia semântica, abaixo a entrelinha. Dependendo da entrelinha, vai ter que resolver comigo é no tapa. Tomara que nenhum de vocês presencie a cena.

P.S.: não leva a mal, viu, é só meu ouvido que chegou em um limite.